quinta-feira, 22 de julho de 2010

A história das moelas

No meio de uma conversa completamente banal que estava a levar em modo de piloto automático, sou de repente acordada. (pergunto eu:) “Mas gostas dele?”, “Não sei. Quer dizer, gosto... mas não é aquela coisa... acho que só podemos gostar “daquela” maneira quando é a primeira vez. É preciso ser uma folha de papel em branco para amar”. Sorri, em acordo. Estas palavras vieram da pessoa mais improvável. A conversa seguiu mas a história da folha em branco ficou. Lembro-me de uma frase que publiquei ainda no Sobre as Nuvens: “Só amei uma vez na vida. Se soubesse o que sei hoje teria provavelmente sido diferente. Se tivesse sido diferente nunca saberia o que sei hoje.” É preciso ser folha em branco e só se é folha em branco uma vez. E nessa vez podemos ser riscados, dobrados, amarrotados, rasurados de todas as maneiras. Depois não. Podemos apagar os traços, mas a pressão do lápis e os vincos ficam. lmperceptivelmente, mas ficam, desenhados no silêncio do papel.



O corpo só é acordado uma vez, todas as outras são repetições.


Da primeira vez tudo pode acontecer. Da primeira vez é tudo puro e verdadeiro, sente-se mais, é tudo inteiro.


Da primeira vez entrega-se. Não são precisas certezas, acredita-se. Aceita-se. Anseia-se, corre-se, espera-se. Oh, suspira-se. Da primeira vez confidencia-se, revela-se, dizem-se segredos. Da primeira vez diz-se tudo, dizem-se as vezes que for preciso. Da primeira vez valoriza-se, agradece-se. Da primeira vez, luta-se, tenta-se, dá-se, mais ainda. Da primeira vez fazem-se loucuras, é-se espontâneo. Da primeira vez compram-se flores e escrevem-se cartas de amor. Da primeira vez desenham-se futuros. Da primeira vez arrisca-se tudo. Da primeira vez não se medem os prós e os contras, não se racionaliza nem se contabiliza, não há contractos nem se medem os dotes, não interessa o que os outros pensam. Da primeira vez há amor. Só amor (como se só amor não chegasse, pensa-se). Da primeira vez ainda não se sabe como dói, não se sabe como parte, como rasga. Não se sabe como é vazio, e incompleto, como falta, como sufoca.


Da primeira vez pensamos que será a única, não questionamos sequer se será a única porque não cabe em nós a ideia de repetir tudo de novo. E se calhar é mesmo assim. Se calhar deixámos todos qualquer coisa na primeira vez.


Tenho para mim que não era de ti, era de mim, da forma como te senti. Foi a primeira vez. Hoje, sei que não eras tu. Só não sei ainda qual era o segredo daquelas moelas que fizemos juntos. Foram as melhores... Estes anos depois, continuo a tentar repeti-las todas as vezes que cozinho moelas, nunca consegui. Desconfio que o segredo não estava nas moelas.

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