Comecei por tentar resistir-lhe, acabou por tomar conta de mim. Por momentos deixei de estar onde estava para estar onde estive. Acabei por ter prazer. Lembrei-me automaticamente de uma frase da Faíza Hayat que é qualquer coisa como “os homens cultivam o esquecimento, as mulheres cultivam a memória”. Dos homens não vou escrever, porque não sei. Não sou, nunca fui, e embora a ciência torne arriscada a palavra impossível, parece-me improvável que venha a ser, um homem. Questionei-me então se seria um masoquismo próprio das mulheres cultivar a memória. Talvez.
Pensei em mim. Não as cultivo, mas gosto que me apanhem desprevenida. Gosto que as memórias me arrepelem, que me surpreendam de vez em quando. Às vezes magoa, mas é uma dor bonita, viciante, que me acaricia o rosto, porque me magoei enquanto respirava. Se a memória é minha, fui eu. O que sou hoje é o que senti ontem.
Já houve alturas em que tentava apagar memórias, desisti, porque nunca sabia quais as memórias que me apagariam. Resistir às memórias parece-me cruel, é mais uma forma de me negar.
Com as memórias, como com tantas outras coisas, acredito que o truque é aceitar. Tudo aquilo que tentei largar agarrou-me com mais força. Porque fechar gavetas com pontas de fora, é inútil.