quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Este texto não é perfeito, é humano.

Às vezes precisava mesmo só de passar lá por casa, brincar com os miudos, ralhar com eles, rir alto, ou jogar às cartas com o meu avô e desejar com tanta força que o tempo pare. Outras vezes estava mesmo a precisar de umas festinhas na testa, que ninguém sabe fazer como a minha mãe.

Poucas coisas me magoam e ao mesmo tempo seguram com mais força que o sorriso triste da minha mãe que me diz: dói-me, mas vai, faz o teu caminho. E poucas coisas me fazem mais feliz que a Júlia a dizer-me ao telefone que quer que eu vá ter com ela para fazermos Yoga e para eu a ensinar a fazer a roda. Sorrio depois ao lembrar o meu avô a dizer que eu sou tão teimosa, e depois de uma pausa a acrescentar que isso às vezes até é bom. A minha avó, sentada no meio das vespas porque teimou, e eu a ir ter com ela, a sentar-me no meio das vespas também, e isso a não ser importante, porque a avó precisava de mim. Isso é amor. E a avó também se sentava no meio das vespas por mim. E muito mais, e tantas histórias tantos motivos para eu ser feliz e ser quem sou.
É em casa que eu tenho as pessoas que me inspiram, que sempre me inspiraram, que me ensinaram a ser porque eram e não por estarem cheias de frases feitas.
Perguntam-me ainda de vez em quando como é que eu tive a coragem de vir para cá. Sem trabalho, com pouco alemão e com pouco dinheiro. Dizem-me que nunca seriam capazes. Eu às vezes, a brincar, digo que não sou corajosa, sou tonta. 
Não sou tonta, mas sei, sempre soube que ia correr bem. A minha mãe ensinou-me a fazer sempre a minha parte, porque quando fazemos a nossa parte, sem tretas nem desculpas, o mundo faz a dele. E gaita se não é verdade.
Há uns dias num restaurante registaram uma vez um prato que pedimos duas vezes. Eu chamei a atenção e a senhora olhou espantada para mim, depois agradeceu muito, sem esconder a admiração. Eu sorri e lembrei-me da minha mãe: A lidar com dinheiro, ensinou-me a ser generosa e a ser sincera. Ela nunca deixou ninguém enganar-se numa conta a seu favor ou dar-lhe troco a mais no supermercado.  
Assim é fácil, tem que ser fácil ser corajosa com a rede de segurança que tenho por baixo. Eu nunca poderia arriscar da maneira que arrisco se não soubesse que aconteça o que acontecer tenho-os sempre lá, e se um dia cair, eles estão lá -  sem julgamentos, sem pressões, sem “bens te avisei”, sem ressentimentos.
Assim tinha que ser fácil, quando cresces rodeade de pessoas que te inspiram e que acreditam em ti. Que te amam incondicionalmente e que te amam o suficiente para te deixarem ir. Mesmo que lhes doa, e mesmo que te doa.
Nunca na minha casa se falou dos que outros têm ou deixam de ter, nunca ninguém disse que queria era a vida do outro, ou o carro ou a casa de férias, ou as roupas assim ou o relógio assado. No fundo acho que sabemos que não queremos outra vida. Nenhum de nós ia arriscar outra família.

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Liberdade

Sinto a falta de escrever, é sempre uma falta, uma comichão num sítio onde não chego, um arranhar que às vezes dói. Um estar incompleto e uma certa ansiedade.

No último dia de trabalho foi à secretária que lancei o último olhar. A secretária, de uma vez vazia, que eu fui devagar enchendo, fazendo minha. A ideia de oportunidade. Vazias as coisas podem ainda ser cheias.
Das vezes que mudei de casa foi sempre o último olhar sobre os espaços vazios que mais me perturbou, e a pergunta, poderia ter sido melhor? Se as coisas tivessem sido colocadas de outra maneira, poderia ter resultado?

Da nostalgia vou sabendo mais.


Esta noite vamos dormir num refúgio, na montanha. Eles estão lá dentro, comem, bebem, jogam, conversam, o descanso merecido depois da subida. Eu preciso de espaço e venho cá fora. Preciso de espaço para ser livre. Está frio, e o frio acorda-me. À minha volta há montanhas e vales e verde e rocha e vacas com chocalhos que espalham música, o mais soberbo hino à liberdade. Longe, reconhece-se o início de uma tempestade. E Eu, ali no meio, a assistir, a encontrar-me. Sorrio para mim, está tudo bem, vai ficar tudo bem, és tu e estás aqui, estiveste sempre. És tu e és grande, e chegaste aqui, como chegas a todo o lado. A tempestade está cada vez mais próxima, vou para dentro. Agora é tempo para recomeçar.

sábado, 12 de janeiro de 2013

Faz hoje um ano...

...que cheguei a Munique.

Faz hoje um ano que deixei tudo o que me aborrecia - estava profundamente aborrecida, dormente. Deixei tudo o que me aborrecia e deixei tudo o que amava.

Nas resoluções que trazia, procurava tempo, tempo para me ouvir, e tempo para descobrir, tempo para receber estimulos, para ler, para ver bons filmes, para ir a boas exposições, e principalmente para escrever. Tempo e espaço, também precisava de espaço.

Não foi nada como esperava. Comecei por preparar uma candidatura em inglês que comecei desde o início a enviar. Percebi ao fim de pouco tempo que não ia resultar, precisava de me candidatar em alemão. Enquanto não fosse capaz de comunicar em alemão não encontraria trabalho.

Decidi então começar pelo alemão e mesmo antes de começar o curso intensivo que entretanto fiz, fui logo dedicando todo o tempo e disponibilidade a aprender alemão como deve ser.

A partir dai, sempre que tentava ler em português, era invadida por sentimentos de culpa: Andreia Margarida, devias estar a ler em alemão, tens de te tornar fluente o mais depressa possível. Tentava então ler em alemão, mas a um ritmo tão lento e esforçado que retirava qualquer prazer ao acto da leitura, reduzindo-o ao puro exercício.

Tudo se tornaram exercícios, todo o tempo era dedicado a esta língua que eu adorava, mas que me separava ainda de concretizar os meus objectivos. Fiz poucas coisas por prazer puro, via filmes em alemão, lia os livros de alemão, estudava vocabulário alemão, gramática alemã, e até a música que ouvia era sobretudo alemã. Nas pouquíssimas pausas que fazia, tinha a cabeça sempre tão cheia que não me deixava espaço para nada que exigisse alguma concentração, ou um estado mais activo da mente.

Ao fim de 5 meses, quando finalmente comecei um trabalho em alemão, percebi que não seria o fim da luta, mas o príncipio. A simples actividade que comunicar esgotava-me por completo, ao chegar a casa sentia-me sempre vazia, como se me tivessem chupado a energia.

Quando cheguei ao fim do ano e começaram a sair as listas dos melhores álbuns do ano, notei com horror que mal sabia que álbuns foram editados este ano, notei ainda que num ano inteiro li talvez 3 livros, e que filmes com qualidade vi pouco mais.

E pensei que falhei. Mas depois, depois pensei melhor.

Desenvolvi uma língua nova, tornei-me capaz de comunicar nela em 5 meses (yeahhh), arranjei realmente emprego, comentários ressabiados à parte, numa revista de grande prestígio e história na sua faixa de mercado. Tive um acidente, perdi a consciência e a memória, e foi horrível, mas agora sei como é, e sei o que são outras coisas que antes na sabia. E apaixonei-me e troquei um beijo como se fosse a primeira vez. E tudo isto são também estímulos.

Quando olho para trás, não podia ter sido um ano mais rico. Foi um ano introdução, foi um ano em que preparei a vida que tenho agora. E que adoro.

No último ano aconteceram coisas muito más e muito boas. Ora fui arranhada ora acariciada, o que é certo é que este ano ficou-me impresso na pele. Ou mesmo nas vísceras.

segunda-feira, 1 de outubro de 2012

Não há fome que não dê em fartura

Talvez devido à crise e a outros acidentes, peguei (finalmente!) n’ “Uma pequena história do mundo” de E. G. Gombrich. 

De menina, guardava a ideia de que o mundo já tinha estado arrumado, crescida, pensei portanto, que o estavamos agora a desarrumar. Depois desta viagem sucinta pela história, aprendi que o mundo nunca esteve arrumado. Foi tendo altos e baixos. Foi tendo fluxos de brilhantismo esmagados pelo exagero - a massificação das melhores ideias transformou-as em coisas más, levando a que as pessoas no fim confundissem o ideal de origem e a forma como os homens lidaram com ele (ex. Iluminismo). À liberdade, por exemplo, apontaram-lhe o dedo quando foram os homens que não souberam fazer dela o uso devido. É complicado - houve sempre quem se aproveitasse da liberdade para abusar e houve sempre quem se aproveitasse desses quantos abusos para culpar a liberdade.

No final de um passeio pela história onde soltei uma lagrimita ou outra (sempre tímidas, que o metro não é sítio para chorar), surpreendeu-me no fim, mais a sensação de presente que a de passado – foi a proximidade temporal que me arrepiou, a escravatura enquanto “normal”, a inferiorização das mulheres, a segunda guerra mundial – tudo muito recente quando contemplando o tempo que demorou já a nossa história.

Também recente, chamou-me a atenção a revolução industrial. Nessa altura os patrões perceberam que podiam pagar muito pouco porque havia muita falta de emprego, passado algum tempo perceberam que não conseguiam escoar o que produziam devido à falta de poder de compra.

Hoje, como na época da revolução industrial, a percepção é de progresso, temos a sensação de que estamos a evoluir depressa. Não estamos. É a tecnologia, são as coisas que estão a evoluir depressa. Nós, homens, ainda estamos muito atrasados - ainda não é claro que para uma evolução e enriquecimento justo estáveis é necessária a cooperação entre as mentes, é preciso o respeito. E dirijo-mo aqui tanto ao “pobre” como ao “rico”, que os erros que cometem são no fundo os mesmos, em situações e/ou oportunidades diferentes:

Se na idade média eramos como crianças que não distinguiam o bem e o mal, agora somos como adolescentes - mimados, cheios de direitos e sem deveres, com uma capacidade de visão que se estende pouco além do Umbigo e do que reluz, inconsequentes e caprichosos, egoístas e com pouco respeito pelos nossos pais e o que lutaram por nós - longe do bom senso, portanto.

Para acabar, que não me confundam o tom – é de esperança – que o mundo, devagar, é hoje melhor do que era - à custa de mártires e outros heróis, as mulheres e os homens são iguais, os pretos e os brancos são iguais. Como nas vidas de que é feita, precisa também a História de tocar os extremos para aprender o equilíbrio. 
E vem-me à cabeça com um sorriso aquela frase que ela me disse há já alguns anos: “I base all my life in hope”, e depois explicou-me: em cada situação as coisas podem melhorar ou piorar, e porque não acreditar na primeira?

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Aforismos II

O teu ponto fraco será sempre o teu coração. Só não acontece se não tiveres um coração forte.

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

2012

Acabei por a admirar precisamente no momento em que vi nela exposta a fraqueza. A fraqueza dos fortes é sempre bonita. A capacidade de um forte ser fraco é o expoente máximo da coragem. É uma fraqueza que comove porque o separa de uma máquina, humaniza-o. São as fraquezas dos fortes que mostram que a sua força não é apenas um evoluído mecanismo de defesa.