sexta-feira, 30 de julho de 2010

Este também foi escrito por uma moça.

Hoje fui violada por uma memória. 
Comecei por tentar resistir-lhe, acabou por tomar conta de mim. Por momentos deixei de estar onde estava para estar onde estive. Acabei por ter prazer. Lembrei-me automaticamente de uma frase da Faíza Hayat que é qualquer coisa como “os homens cultivam o esquecimento, as mulheres cultivam a memória”. Dos homens não vou escrever, porque não sei. Não sou, nunca fui, e embora a ciência torne arriscada a palavra impossível, parece-me improvável que venha a ser, um homem. Questionei-me então se seria um masoquismo próprio das mulheres cultivar a memória. Talvez. 


Pensei em mim. Não as cultivo, mas gosto que me apanhem desprevenida. Gosto que as memórias me arrepelem, que me surpreendam de vez em quando. Às vezes magoa, mas é uma dor bonita, viciante, que me acaricia o rosto, porque me magoei enquanto respirava. Se a memória é minha, fui eu. O que sou hoje é o que senti ontem. 


Já houve alturas em que tentava apagar memórias, desisti, porque nunca sabia quais as memórias que me apagariam. Resistir às memórias parece-me cruel, é mais uma forma de me negar.


Com as memórias, como com tantas outras coisas, acredito que o truque é aceitar. Tudo aquilo que tentei largar agarrou-me com mais força. Porque fechar gavetas com pontas de fora, é inútil.

2 comentários:

  1. Parabéns pelo texto. Gostei e percebo agora a tua demanda pela frase da Fayza...
    As memórias cultivadas desembocam sempre em histórias com acrescentos gramaticais. Não sei se concordo com a fayza mas subscrevo inteiramente o que diz José Luis Peixo no seu livro "o Cemitério de Pianos":

    Não há nenhuma diferença entre aquilo que aconteceu mesmo e aquilo que fui distorcendo com a imaginação, repetidamente, repetidamente, ao longo dos anos […].
    O tempo, conforme um muro, uma torre, qualquer construção, faz com que deixe de haver diferenças entre a verdade e a mentira. O tempo mistura a verdade com a mentira. Aquilo que aconteceu mistura-se com aquilo que eu quero que tenha acontecido e com aquilo que me contaram que aconteceu. A minha memória não é minha. A minha memória sou eu distorcido pelo tempo e misturado comigo próprio […]

    Tal como tu, hoje fui atacado pela memória e tenho a plena noção de que todas as vezes que as sinapses fizerem retrospectivas do passado no cérebro, o coração entrará automaticamente em cena e ajudará no processo de cicatrização; uma hibridização entre razão e emoção, onde os factos ocorridos se fundem com a idealização do que poderia ter sido e não foi...

    Beijo grande.
    Felicidades.

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  2. (Errata: 'Faíza' em vez de 'Fayza' e 'Peixoto' e vez de 'Peixo')

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